quinta-feira, 9 de outubro de 2008

No Ritz

Márcio Calafiori

O encontro no hotel fora combinado às nove. Já passava das dez. O atraso começou a exasperá-lo, a deixá-lo em dúvida. Tinha certeza de ter dito Ritz, mas se ela, por engano, entendera Rex? Foi à recepção:
— Este hotel é mesmo o Ritz?
— Como assim, cavalheiro?
— Em Porto Alegre não existe outro Hotel Ritz?
— Pode ficar tranquilo: este é o Hotel Ritz, o tradicional Ritz!
Meses antes, encontrara na caixa de correspondência uma mensagem: “Oi, bom-dia! Morei em Brasília quando adolescente, onde conheci uma pessoa com o seu nome. Ao procurá-lo, encontrei-o. Será que você foi o meu primeiro namorado? Por favor, me responda. Obrigada!”. Ele respondeu: “Quando li essa mensagem quase caí da cadeira, pois o meu coração recebeu um impacto sonoro e retumbante! Sim, sou eu mesmo. Lembro de que eu tinha 19 anos e você 11".
Não existem mais hotéis como o Ritz: os tapetes vinho, os quadros de caça à raposa, as poltronas e os sofás revestidos de couro marrom escuro, o bar silencioso com a iluminação verde, o elevador manual e os hospedes que entram e saem dizendo apenas o necessário. Os homens se sentam no saguão, folheiam um pouco a Zero Hora e pedem licença antes de acender o charuto. As mulheres remetem a lençóis alvíssimos.
O funcionário da recepção era o mesmo senhor calvo, atarracado e de nariz chato, como um lutador de boxe, a quem já interpelara.
— Por favor...
— Um momento...
O homem foi ao escritório e voltou fumando um charuto:
— Espero que não se incomode...
— Não se preocupe...
— Pois não!... Em que posso servi-lo?...
— Fiquei de encontrar aqui uma mulher que não vejo há trinta anos, mas acho que ela não vem mais...
— Ela tem celular?
— Tem!
— E por que o senhor não liga?
— Só dá caixa postal...
— Então vamos tentar de novo. Qual é o número?
O charuto soltava uma fumaça azulada.
— É, está dando caixa postal... — confirmou o homem.
— Combinamos às nove, mas agora... Acho que ela mudou de ideia. Só pode ser isso!
— Não!
— Como o senhor sabe?
— Existem poucas profissões no mundo propícias ao conhecimento quase íntimo do ser humano. O de recepcionista de hotel é uma delas. Quando cheguei aqui me surpreendia muito. Às vezes, ainda me surpreendo... O senhor não é o primeiro a marcar um encontro aqui, no Ritz.
— É?...
— A mulher que o senhor está esperando virá!
— Mas o senhor não a conhece!
— Então me diga o senhor mesmo. Como ela é?
A fumaça azul e cinza do charuto subia, formando um céu compacto.
— Ah, ela é adorável... É espontânea!...
— Não precisa dizer mais nada. Vá ao bar e peça um conhaque e espere-a calmamente. As mulheres adoram fazer surpresas.
— O hotel vende charutos?
— Vende, sim!
— Pois o senhor merece um. Ponha na minha conta!

No bar, ele preferiu o balcão. Mirou o conhaque contra a luz verde... Desde março, quando recebera a mensagem, passou a amá-la minuciosamente pela câmera. Adorava quando ela ria e quando ficava séria; adorava quando ela prendia os cabelos na nuca, como se estivesse vindo para a cama; adorava o que ela dizia. Por exemplo... “Parei de fumar não por causa da saúde, mas porque gosto de sentir os narizes me cheirando. O cigarro estava apagando a minha fragrância!”.
Pediu mais um conhaque e, ao mirá-lo contra a luz verde, viu-a através do tom esmeralda e ouro:
— Desculpa o atraso — ela disse.
— Atraso?... Sabe há quanto tempo estou te esperando?...
— Que horas são?
— É 1h15.
— Pois então?
— Pois então o quê?...
— 1h15 foi a hora em que te mandei o e-mail em março, perguntando se você era você mesmo. Eu quis chegar exatamente à mesma hora...

Para Adriana

2 comentários:

Anônimo disse...

Voltei no tempo..."viajei" contigo!!
Eu realmente vivi esse tempo intensamente!

Bjss

Adriana

Marcus Vinicius Batista disse...

Marcio, meus sinceros parabéns!!! O texto é singelo e, ao mesmo tempo, profundo sobre as relações afetivas (ansiedades, esperanças)entre as pessoas. O final faz pensar. O resultado é esta mensagem publicada no blog. Abração!!!