terça-feira, 27 de maio de 2008

Isabella, a notícia

Márcio Calafiori

A imprensa tem sido criticada por expor, exageradamente, o assassinato de Isabella. Há quase um mês, o assunto não sai dos jornais, do rádio e da TV. Do ponto de vista jornalístico, o crime é uma boa história. Envolve a morte de uma criança indefesa. Envolve pais e filhos. Envolve mistério. Envolve brutalidade: antes de ser atirada da janela do sexto andar de um edifício em São Paulo, a garota de 5 anos foi espancada, ferida e estrangulada. Infelizmente, isso é notícia.
O escritor Don DeLillo percebeu o impacto da informação na sociedade contemporânea e disse: “As pessoas parecem precisar de notícias, de qualquer tipo: más notícias, notícias sensacionalistas, notícias irresistíveis. Pelo jeito, a notícia é a narrativa de nosso tempo”. Dependendo da intensidade e de como repercute em determinado contexto social, a notícia tem o efeito de sensibilizar, escandalizar e de mobilizar a multidão. Como a do assassinato de Isabella. Cabe à imprensa, portanto, cumprir a sua função: a de informar e a de tentar dar respostas. É para isso que o jornalismo existe.
O conceito de notícia é sensacionalista por natureza. Atende aos nossos instintos mais remotos, mais primitivos. Uma das frases anotadas por Michel de Montaigne nas vigas de sua biblioteca dizia: “O gênero humano é muito ávido de narrativas”. A curiosidade é irresistível. Sempre queremos saber como acaba a história. É com base nisso que a publicação da notícia funciona.
Quanto à cobertura excessiva no caso Isabella, o comportamento da imprensa reflete a perturbação coletiva. Trata-se de um dos crimes mais cruéis já cometidos no País. A exposição do assunto tem revelado estatísticas e fatos que nos inquietam, mas sobre os quais, de algum modo, temos preferido calar. Os especialistas se pronunciam e constatamos o quê? Que muitas das nossas crianças têm sido vítimas constantes da violência, do trabalho escravo a espancamentos, torturas e até mesmo abuso sexual, este quase sempre praticado em família, e não só nas famílias pobres.
Pode-se reclamar da overdose de informação e da especulação em torno do assassinato, mas a postura da imprensa, é bom que se diga, evoluiu para melhor. Somos lembrados a todo o momento da Escola Base e do quanto é preciso ter cautela no presente caso. Ao contrário do que ocorreu em São Paulo, em março de 1994, quando a escola foi depredada pela população que agiu com base no que era divulgado irresponsavelmente pela imprensa, dessa vez o casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá teve a oportunidade de se defender publicamente, num longo depoimento à TV.
Vivêssemos em uma sociedade democrática de fato, estaríamos agora confiantes na Justiça e muito menos instigados em relação ao pré-julgamento do pai e da madrasta de Isabella de que a imprensa tem sido, também, acusada. Mas na cobertura de casos como a do crime bárbaro que pôs fim à vida dessa menina, não existe meio-termo. Como diz o escritor e repórter Gay Talese, os jornalistas vivem com a tensão à flor da pele e a sua presença tem o poder de desencadear um incidente. Notícia é notícia.

Publicado no jornal Boqueirão em 26 de abril de 2008.

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