segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Palavras

Márcio Calafiori

Meu pai costuma dizer palavras que ninguém diz. Uma delas é inapetente. Ouvi-a pela primeira um dia na hora do almoço. Foi quando minha mãe ordenou que eu não saísse da mesa sem antes comer tudo.
— Se ele está inapetente, não o obrigue a comer! — disse meu pai.
— Ele precisa se alimentar!
— O alimento só faz bem quando apetece.
— Nunca ouvi falar disso. Caso contrário, não obrigariam os doentes a comer — ela insistiu.
Aí então o meu pai encerrou a conversa, dizendo a ela:
— Abstenha-se!
E logo em seguida, dirigindo-se a mim:
— Pode se retirar da mesa. Mas não te ponhas qual um corcel fogoso!

Gosto de ler em voz alta os comentários que ele escreve em meu caderno da escola quando a professora propõe o debate de algum tema em sala de aula. Certa vez o tema proposto foi: “Devemos ou não dar esmola?”.
Levei-lhe a questão e meu pai então ditou-me o seguinte texto como resposta: “O óbolo humilha quem recebe e avilta o caráter de quem dá”.
Li isso na classe em voz alta, orgulhoso.

Ontem eu estava no banheiro e minha tia, em cuja casa estou passando as férias, bateu na porta:
— Vais demorar muito?
— Não, tia, tô acabando de defecar!
— O quê?...
— Tô acabando de defecar!...
Quando saí do banheiro, ela me disse:
— Enquanto estiveres aqui em casa fala como gente, tá?

Um comentário:

Unknown disse...

Adorei, engraçado e curioso. Foi o primeiro desse blog que li. Volto mais vezes.