segunda-feira, 28 de abril de 2008

De olhos bem abertos

Márcio Calafiori

Recentemente, uma rádio de São Paulo fez uma enquete com os ouvintes para saber se dinheiro traz felicidade. Não opinei, mas inspirado pela pesquisa quero contar o seguinte: o meu pai tem 78 anos. A lembrança mais persistente que tenho dele é a sua relação com a leitura. Ele adora ler. Lê todos os dias e, de seis anos para cá, desde que ficou viúvo, lê da uma às seis da manhã. “Não há nada que me distraia mais do que a leitura”, costuma dizer-me.


Em 2004 e 2005, ele foi operado da catarata e da miopia numa clínica especializada de Santos. Primeiro de um olho e, noventa dias depois, do outro. Mas continuou com o astigmatismo. No ano passado, começou a ter problemas sérios de visão. Consultou um oftalmologista e obteve uma nova receita de óculos. No entanto, começou a enxergar cada vez pior de longe. Em março, passou a enxergar mal também de perto. Em agosto, já não conseguia mais ler. Tentou marcar uma consulta na clínica onde fora operado. Consulta? Só para dezembro. Mandei que insistisse. Conseguiu, enfim, ser atendido no fim de setembro.

O médico que o examinou disse que iria tentar melhorar a sua visão de perto, mas com a de longe não havia mais o quê fazer. Em seguida, se pôs a filosofar: “A idade é mesmo assim. É preciso ter paciência, saber se conformar”. A receita nova para os óculos de perto não surtiu efeito. Ficar sem a leitura deixou meu pai deprimido. Ao conversar com um colega sobre o problema, este lhe contou que tinha um amigo oftalmologista em São Paulo, profissional competente. Perguntou se meu pai podia pagar R$ 350 pela consulta. Ele respondeu que sim!

O médico da Capital deu-lhe o diagnóstico: o seu problema de visão era muito fácil de resolver com a aplicação de laser. Além da consulta de R$ 350, o laser custou R$ 1 mil (R$ 500 para cada olho, preço à vista). Como fora levado por um amigo, meu pai teve direito a um desconto. À noite, já estava lendo. Quinze dias depois, voltou a São Paulo. Foi quando reclamou da visão de longe. O oftalmologista confrontou a antiga receita com as lentes que ele usava. Havia uma diferença no eixo do olho direito. O eixo correto era 160. A receita marcava 60. As lentes foram trocadas e meu pai voltou a enxergar bem de longe.


O laser é um procedimento caro. No caso do meu pai, das duas uma: ou o médico de Santos não quis fazer a aplicação porque teria de cumprir a tabela de preços do convênio (e nesse caso que se dane o paciente) ou trata-se de um charlatão. Em qualquer das alternativas estamos diante de um canalha. Meu pai costuma ler um jornal por dia e um livro por semana, às vezes dois; acaba de aprender a usar o DVD e, no momento, se aventura no computador. Ter o dinheiro para o laser e a consulta em São Paulo lhe proporcionou felicidade e bem-estar. E uma lição: ele agora está de olhos bem abertos.

Publicado no jornal Boqueirão em 16 de fevereiro de 2008.

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